Terça-feira, 28 de Novembro de 2006
España se mata
Quando não se passa nada de especialmente interessante no Mundo – como se isso fosse possível! -, há sempre um exercício recorrente a que os comentadores e analistas portugueses se dedicam com masoquista proficiência, recordando as diferenças entre a extraordinária produtividade espanhola e a fraca correspondente portuguesa, o abismo que separa o espantoso PIB castelhano do medíocre lusitano, ou o fabuloso poder de compra de “nuestros hermanos” em comparação com o miserável equivalente do nosso país à beira-mar plantado.

Nada há a obstar quanto à evidência de que o crescimento económico espanhol acompanha ou ultrapassa os índices europeus, enquanto Portugal anda literalmente a ver passar navios. Mas de que falamos quando falamos de Espanha? Da cada vez mais independente Catalunha? Do processo de paz no País Basco que o primeiro-ministro José Luis Zapatero procura resolver sozinho, depois de inúmeras trapalhadas socialistas, e já sem o apoio do Partido Popular? Das guerras políticas autonómicas, cada vez mais ferozes, em que vale tudo, mesmo a chantagem?

Espanha é cada vez mais um caldeirão de nações em ebulição, que só fenómenos como a selecção nacional ainda consegue colar a custo. O lúcido – e para alguns saudoso – ex-chefe do governo, o popular José María Aznar, tem referido desde há já algum tempo o receio que sente de uma crescente “balcanização” do país vizinho – e a verdade é que os mais recentes acontecimentos têm justificado a apreensão de todos, incluindo a dos portugueses, que poderão sentir as sequelas de possíveis cisões espanholas, tal como sentiram os efeitos condicionados da Guerra Civil de 1936-39, faz 70 anos no próximo mês de Julho.

O retrato que surge da Espanha de hoje é que parece estar a ser governada de acordo com os interesses partidários dos socialistas no poder – e que José Luis Zapatero continua a funcionar mais como líder do PSOE do que como presidente do governo. Que pensa mais nas possíveis eleições antecipadas – e nas diversas regionais – do que no futuro do país como um todo. Ao pretender isolar o Partido Popular e reunir atrás de si os descontentamentos das diversas autonomias, Zapatero abriu uma caixa de Pandora com resultados imprevisíveis.

O resultado do referendo que aprovou no domingo a consagração da Catalunha como uma Nação, reconhecendo o direito a autogovernar-se é apenas mais uma prova desta realidade. Apesar da larga maioria dos votos expressos que aprovaram o novo Estatuto da Catalunha – 73,9 por cento – a verdade é que o número de eleitores não chegou a representar metade dos eleitores catalães – pouco mais de 49 por cento foram às urnas. Há margem para a impugnação dos resultados por parte do Partido Popular, mas isso não é o mais relevante. O que deverá preocupar os espanhóis é que referendo está de novo a ser abordado, quer por Zapatero, quer pelo líder dos populares, Mariano Rajoy, como uma questão de pura chincana partidária. 

Os populares dizem que, perante a fraca afluência dos eleitores, o grande derrotado foi o PSOE, principal responsável  pela organização do referendo. Os socialistas respondem que os populares se esquecem que apoiaram o “Não” ao Estatuto e que este foi aprovado, concluindo que são eles os verdadeiros derrotados. Mas quem perdeu o referendo foi a unidade política espanhola e a grande derrotada é a Espanha una e indivisível.


Paulo Pinto Mascarenhas, no semanário "O Independente", 23-06-06


publicado por 31 às 00:50
link do post | comentar | adicionar aos favoritos

Sexta-feira, 24 de Novembro de 2006
...

DEPÓSITO 31 É UM ARQUIVO DE OUTROS 31s PUBLICADOS LÁ POR FORA


publicado por 31 às 11:54
link do post | adicionar aos favoritos

Quinta-feira, 23 de Novembro de 2006
Mais valia deixarem de fumar
No início do ano é normal prometerem-se improbabilidades e absurdos. De tal maneira que há mesmo uns psicólogos que garantem que a meio de Janeiro as depressões atingem o seu pico: é quando os ingénuos percebem que não emagreceram um quilo, não deixaram de fumar nem ficaram mais bonitos. Provavelmente em homenagem ao espírito da época, os austríacos, que vão presidir à União Europeia durante os primeiros seis meses de 2006, prometeram para o seu mandato, exactamente, improbabilidades e absurdos.
Para começar, no tom entre o poético e o comovente, a respectiva ministra dos Negócios Estrangeiros, Ursula Plassnik, declarou que "a Constituição está coberta de neve e aguarda a Primavera", acrescentando que "em certa medida necessitamos de uma mudança climática". A este caloroso projecto de descongelamento constitucional, seguem-se, como prioridades, o propósito de conseguir um acordo sobre uma nova versão da Directiva dos Serviços, o que equivale ao congelamento ad eaternum da actual (a tal que poderia criar milhares de empregos), para além de um mais do que previsível enxotar da Turquia para bem longe das perspectivas de adesão.
Se no lento processo que talvez um dia leve à adesão da Turquia o efeito é substancialmente inócuo, mais seis meses menos seis meses a coisa não muda muito, já nos restantes projectos o propósito é capaz de ter sucesso. Em matéria de Directiva dos Serviços as objecções dos proteccionistas do costume vão de encontro aos planos austríacos. No caso da Constituição, descobre-se agora que há muitas almas, algumas respeitáveis até, empenhadas na sua ressurreição: Angela Merkel tem falado vagamente na ideia de lhe anexar uma espécie de compromisso ou pacto pleno de preocupações sociais. Nicholas Sarkozy, já disse que o Tratado tem coisas boas - como a criação do cargo de Ministro Europeu dos Negócios Estrangeiros - que devem ser aproveitadas.
De entre todo este degelo, não parece, infelizmente, brotar uma ideia sobre como aquecer a economia europeia. Se os dirigentes austríacos prometessem todos deixar de fumar era mais ajuizado. Se conseguissem não faziam mal nenhum a ninguém. Se falhassem também não.
 
Queime-se
"A terra aos vivos". Do interior de um modesto mas adequado envelope castanho amarelado, a União dos cremadores europeus dirige-se assim aos Deputados Europeus, procurando entusiasmá-los para a sua causa, designadamente para o reconhecimento da cremação na Grécia. Tudo o que é preciso saber sobre as vantagens e virtudes crematórias, que parecem ser muitas, encontra-se em La Flamme, Transition (A Chama, Transição), uma revista dos cavalheiros onde cremadores sorridentes e felizes se cruzam com estatísticas sobre a matéria. Nada tenho contra ou a favor do tema, simplesmente não me entusiasma. Nem sequer quando escrevem, num bonito italiano, “Cremação, a pureza da memória”. Ou talvez por isso mesmo.
 
Este fumega com facilidade
O mail interno do Parlamento Europeu de vez em quando funciona como uma janela por onde se pode escutar as conversa dos vizinhos, sobretudo quando os vizinhos fazem reply all. O que, confesse-se, é um hábito feio mas muito divertido. Além de que a culpa é deles.
Desta vez tudo começou com uma Deputada holandesa que numa sessão plenária acusou de neonazi, anti-semita e outras coisas desagradáveis o partido ao qual pertence um observador búlgaro (uma espécie de Deputado em estágio à espera da adesão). A troca de insultos começa assim, avança com gente a ameaçar inventar que o líder do Partido Socialista Europeu – um dos tipos mais feios da história da política - tem um tattoo no rabo a dizer USSR – uma coisa bastante desagradável de dizer mas bastante pior de tentar imaginar - e acaba com o búlgaro, do alto da sua recém adquirida tradição democrática, a declarar a um assistente parlamentar (um assessor de um Deputado): olhe lá, cuidadinho que você não passa de um assistente, veja lá como é que fala comigo que sou observador, você nem imunidade parlamentar tem. A este, pelos vistos, a democracia é uma coisa que se lhe colou como um kalkito. Desprende-se facilmente. Daqui a dois anos entra na União Europeia.
 
E um isqueirinho para deitar fogo à coisa?
No site oficial da nova presidência do conselho (http://www.eu2006.at/en/) , inaugurado no início do ano, os austríacos guardaram um espaço para os parceiros da sua presidência. Aí ficamos a saber, com a ajuda didáctica de logos e emblemas, que durante estes seis meses o grande capital – nomeadamente o alemão - será colocado ao serviço da promoção do modelo social europeu. Assim, o transporte das várias delegações será feito em aviões da companhia aérea austríaca e em Audis A8, cujo depósito será cheio com combustível da OMV AG, o correio será assegurado pela DHL, vai beber-se vinho fornecido pela Ridel e vão mesmo haver chocolatinhos Mozartkugel - para celebrar os 250 anos de nascimento do músico - à mesa das reuniões. Infelizmente, no meio do economato não arranjaram o patrocínio da Staedtler, a marca daquelas eficientes borrachas verdes, que tão úteis podiam ser nas reuniões sobre o degelo da Constituição. Isso ou um isqueiro Bic. Também são bons.
Henrique Burnay in Revista Atlântico

publicado por 31 às 15:00
link do post | comentar | adicionar aos favoritos

E quanto é que ficou o Benfica?
A jacobina França decapitou o seu rei. No auge da revolução uma horda de camponeses saqueou as jóias da coroa. O estado revolucionário e os regimes que lhe seguiram trataram, nos anos seguintes, de recuperar o tesouro dos Borbons. Hoje, a maior parte das peças está em exibição no Louvre.
 
A revolucionária Rússia fuzilou o seu czar. Uma década depois, com o poder estabilizado, os vermelhos no poder enviavam agentes um pouco por todo o mundo para recuperar o tesouro real de S. Petersburgo. Até a maioria dos faustosos ovos fabergé foram readquiridos, em segredo, pelo estado soviético. Hoje, a maior parte das peças está em exibição no Kremlin.
 
O fundamentalista Irão recambiou o seu Xá para o exílio. Pelo caminho, no novo país dos ayatolas, invadiram-se embaixadas, queimaram-se livros e decretaram-se penas de morte. Mas as jóias da coroa, símbolo de 2500 anos de poder persa, estão em exibição no Museu Nacional de Teerão.
 
Na republicana Irlanda as jóias da coroa foram roubadas do imponente Castelo de Dublin em 1907. As comissões de inquérito nunca conseguiram formular uma acusação. O público indignou-se e o principal suspeito acabou por levar dois patrióticos tiros numa vendetta orgulhosamente reivindicada pelo IRA.
 
O conservador Reino Unido mantém as jóias da coroa trancadas na torre de Londres. Sobreviveram a quase tudo durante vários séculos. A maior parte nem sequer é exibida ao público.
 
Em Portugal as jóias da coroa foram roubadas na Holanda em 2002. Andavam a passear em museus de segunda linha. Não houve escândalos, indignação, processos, nem sequer comissões de inquérito. Aconteceu e pronto. As jóias desapareceram e as promessas de apuramento de responsabilidades também. Os responsáveis pela guarda das jóias continuam a trabalhar, presume-se que nos mesmos cargos.
 
Quatro anos depois, o Estado português prepara-se para receber o prémio do seguro. Diz-se que o dinheiro nem sequer vai ser reinvestido no património nacional. Vai directamente para o ministério das finanças para tapar o buraco da da CP, do Metro ou coisa que o valha. Não é muito grave.
Rodrigo Moita de Deus in Revista Atlântico Novembro 2006

publicado por 31 às 11:38
link do post | comentar | adicionar aos favoritos


ÚLTIMOS POSTS

España se mata

...

Mais valia deixarem de fu...

E quanto é que ficou o Be...

ARQUIVO

Novembro 2006

blogs SAPO
RSS