Quinta-feira, 23 de Novembro de 2006
Mais valia deixarem de fumar
No início do ano é normal prometerem-se improbabilidades e absurdos. De tal maneira que há mesmo uns psicólogos que garantem que a meio de Janeiro as depressões atingem o seu pico: é quando os ingénuos percebem que não emagreceram um quilo, não deixaram de fumar nem ficaram mais bonitos. Provavelmente em homenagem ao espírito da época, os austríacos, que vão presidir à União Europeia durante os primeiros seis meses de 2006, prometeram para o seu mandato, exactamente, improbabilidades e absurdos.
Para começar, no tom entre o poético e o comovente, a respectiva ministra dos Negócios Estrangeiros, Ursula Plassnik, declarou que "a Constituição está coberta de neve e aguarda a Primavera", acrescentando que "em certa medida necessitamos de uma mudança climática". A este caloroso projecto de descongelamento constitucional, seguem-se, como prioridades, o propósito de conseguir um acordo sobre uma nova versão da Directiva dos Serviços, o que equivale ao congelamento ad eaternum da actual (a tal que poderia criar milhares de empregos), para além de um mais do que previsível enxotar da Turquia para bem longe das perspectivas de adesão.
Se no lento processo que talvez um dia leve à adesão da Turquia o efeito é substancialmente inócuo, mais seis meses menos seis meses a coisa não muda muito, já nos restantes projectos o propósito é capaz de ter sucesso. Em matéria de Directiva dos Serviços as objecções dos proteccionistas do costume vão de encontro aos planos austríacos. No caso da Constituição, descobre-se agora que há muitas almas, algumas respeitáveis até, empenhadas na sua ressurreição: Angela Merkel tem falado vagamente na ideia de lhe anexar uma espécie de compromisso ou pacto pleno de preocupações sociais. Nicholas Sarkozy, já disse que o Tratado tem coisas boas - como a criação do cargo de Ministro Europeu dos Negócios Estrangeiros - que devem ser aproveitadas.
De entre todo este degelo, não parece, infelizmente, brotar uma ideia sobre como aquecer a economia europeia. Se os dirigentes austríacos prometessem todos deixar de fumar era mais ajuizado. Se conseguissem não faziam mal nenhum a ninguém. Se falhassem também não.
 
Queime-se
"A terra aos vivos". Do interior de um modesto mas adequado envelope castanho amarelado, a União dos cremadores europeus dirige-se assim aos Deputados Europeus, procurando entusiasmá-los para a sua causa, designadamente para o reconhecimento da cremação na Grécia. Tudo o que é preciso saber sobre as vantagens e virtudes crematórias, que parecem ser muitas, encontra-se em La Flamme, Transition (A Chama, Transição), uma revista dos cavalheiros onde cremadores sorridentes e felizes se cruzam com estatísticas sobre a matéria. Nada tenho contra ou a favor do tema, simplesmente não me entusiasma. Nem sequer quando escrevem, num bonito italiano, “Cremação, a pureza da memória”. Ou talvez por isso mesmo.
 
Este fumega com facilidade
O mail interno do Parlamento Europeu de vez em quando funciona como uma janela por onde se pode escutar as conversa dos vizinhos, sobretudo quando os vizinhos fazem reply all. O que, confesse-se, é um hábito feio mas muito divertido. Além de que a culpa é deles.
Desta vez tudo começou com uma Deputada holandesa que numa sessão plenária acusou de neonazi, anti-semita e outras coisas desagradáveis o partido ao qual pertence um observador búlgaro (uma espécie de Deputado em estágio à espera da adesão). A troca de insultos começa assim, avança com gente a ameaçar inventar que o líder do Partido Socialista Europeu – um dos tipos mais feios da história da política - tem um tattoo no rabo a dizer USSR – uma coisa bastante desagradável de dizer mas bastante pior de tentar imaginar - e acaba com o búlgaro, do alto da sua recém adquirida tradição democrática, a declarar a um assistente parlamentar (um assessor de um Deputado): olhe lá, cuidadinho que você não passa de um assistente, veja lá como é que fala comigo que sou observador, você nem imunidade parlamentar tem. A este, pelos vistos, a democracia é uma coisa que se lhe colou como um kalkito. Desprende-se facilmente. Daqui a dois anos entra na União Europeia.
 
E um isqueirinho para deitar fogo à coisa?
No site oficial da nova presidência do conselho (http://www.eu2006.at/en/) , inaugurado no início do ano, os austríacos guardaram um espaço para os parceiros da sua presidência. Aí ficamos a saber, com a ajuda didáctica de logos e emblemas, que durante estes seis meses o grande capital – nomeadamente o alemão - será colocado ao serviço da promoção do modelo social europeu. Assim, o transporte das várias delegações será feito em aviões da companhia aérea austríaca e em Audis A8, cujo depósito será cheio com combustível da OMV AG, o correio será assegurado pela DHL, vai beber-se vinho fornecido pela Ridel e vão mesmo haver chocolatinhos Mozartkugel - para celebrar os 250 anos de nascimento do músico - à mesa das reuniões. Infelizmente, no meio do economato não arranjaram o patrocínio da Staedtler, a marca daquelas eficientes borrachas verdes, que tão úteis podiam ser nas reuniões sobre o degelo da Constituição. Isso ou um isqueiro Bic. Também são bons.
Henrique Burnay in Revista Atlântico

publicado por 31 às 15:00
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